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As aves que aqui gorjeiam...

Em qual dessas palmeiras eu encontro o tal sabiá?


Diz a lenda que uma vez que você deixa seu país natal, nenhum lugar mais te pertence e você não pertence a nenhum lugar. Eu ainda não me livrei dessa coisa de voltar ou ficar. Basta uns dias nos Brasil, uma prainha perfeita e umas águas de côco, uns amigos tão queridos que conhecem meu passado mais que eu, uns irmãos, uma família que faz sentir que você pertence ao mundo, muitos priminhos nacionais para brincar com os priminhos gringos e pronto, eu volto pra cá sofrendo. Fazer a viagem do positivo pro negativo na temperatura e na vida não ficou mais fácil depois de quase 7 anos de Canadá.

Se a terra de lá tem palmeiras pra sabiá nenhum botar defeito, a de cá tem uns pinheiros até simpáticos que insistem em ficar verdes mesmo no inverno.

Não é que falte primores nesta terra de cá. Lá não se faz pesquisa como cá e dificilmente eu iria viajar e sair apresentando meu trabalho por aí se estivesse na terra de lá, com o tal do sabiá (foi só pra rimar, confesso). Por outro lado, poucos primores se comparam ao fato de ir dormir com uma sacola cheia de roupa suja e ao acordar encontrá-las devidamente lavadas, passadas e dobradas ao seu lado. Sim, eu disse passadas. Minhas roupas mal resistiram a tal brutalidade, não viam ferro há anos.

Vamos combinar que as aves daqui não tem medo de assalto e normalmente não ficam horas no trânsito para qualquer deslocamento. Elas moram em casa com quintal e parque no fundo, sem muro e com cara de série de TV. Por outro lado, elas não gorjeiam mesmo, porque quem é doido de sair gorjeando num frio deste. A pobre ave antes de pensar em gorjear tem que botar casaco, bota, meia, luva, cachecol e dar sorte para o ônibus passar na hora que ela chegar no ponto. Se não, meu amigo, não há gorjeio que o faça. Sabiá sente falta de sair de casa com a roupa que está, assim, em menos de 20 minutos, pra poder gorjear em paz.

Não ajuda o fato que lá é só férias e aqui só trabalho acumulado. Acho até que Brasilina e Nacionalack vão acabar com uma visão bem distorcida do Brasil... meio mesmo à Gonçalves Dias... da terra que tem Palmeiras onde a gente pode subir, dos primores de comer vários picolés por dia, almoçar pastel, poder comer qualquer besteira "desde que seja bem nacional"(sic Zack), e brincar o dia inteiro com primos e amigos até cair de cansaço. É óbvio que encontremos mais prazer nós lá.

Espero que a nostalgia vá embora com a marquinha do biquini, porque este saudosismo não faz bem para um coração em abstinência de pizza de catupiry.



4 comentários:

Camila disse...

Eita... Te entendo perfeitamente! Aliás, acho que todo expatriado te entende(exceto aqueles realmente magoados com seu país de origem, talvez).

Se ao menos fôssemos ricas, riquíssimas, essa ponte aérea seria mais curta, então talvez o coração não ficasse assim tão apertado. Talvez eu invista na Mega Sena da virada, mas só ano que vem agora...

Depois que Nina nasceu - a minha -, o questionamento sobre estar lá ou estar cá ganhou nova configuração, aí fico naquela: "mas minha filha não terá primos, nem tios..."
Aí faço como você descreveu; coloco na balança as vantagens e desvantagens de um e de outro pra tentar justificar a escolha atual, e sigo com o coração dividido.

Mas coração dividido talvez não seja tão ruim. Se tá dividido é porque é grande e generoso, assim como os nossos dois países, né?

Um beijo, força na peruca e não perde de vista duas coisas: 1. os primeiros dias depois da volta são bem nostálgicos mesmo (normalíssimo!) e 2. o verão MARAVILHOSO de Montreal logo chega (tá, nem tão logo assim).

Paloma Varón disse...

Keiko, nem moro fora (ainda, vou mudar em uma semana), mas eu e minhas filhas - uma paulistana e uma brasiliense - já sentimos isso quando passamos uns dias na Bahia. A mais velha, de 5 anos, quer morar lá. Sempre pergunta por que a gente não mora numa casa com piscina, perto da praia. Sente falta até das comidas. E eu, que adoro a Bahia, mas não para morar, fico com o coração ainda mais apertado, porque roupa lavada e passada e mingau de tapioca no café da manhã é para poucos (dias), mesmo.
Mas não se pode ter tudo, né?
Beijos

Jatai disse...

Benvinda de volta ao blog, estava com saudades :)

Nao sei se vc sofre do mal da procrastinaçao, mas, mesmo que nao sofra, fazendo doutorado nao tem como nao rir disso:

http://www.phdcomics.com/comics.php?f=221

abraços

Mariana

Paula disse...

É difícil mesmo...
Mas em relação às pesquisas, que você mencionou, já pensou em como tudo o que você está aprendendo aí seria ótimo pra você aplicar no Brasil? Quem sabe você não seria [e incentivaria] uma das grandes pesquisadoras da sua área no nosso país...