Eu sempre gostei de estudar. Era do tipo CDF mesmo, rata de biblioteca (estava sempre na sala da coordenadora atrás das últimas aquisições) e ainda adorava os professores, com direito a cartinhas, poesias e recadinhos no final da redação, ideais e propostas pedagógicas me inspiravam. Aquele tipinho que irrita um ou outro aluno menos apaixonado, mas que motiva o professor a continuar trabalhando, mesmo quando o salário ó... , tenho até testemunhas desta época remota. Isso durou mais ou menos até o fim do ginásio, não que eu não mantivesse o sentimento escondido depois, mas no segundo grau já era mico demais...a sobrevivência social na adolescência demanda outras qualidade (falar mal dos professores é uma delas e você pode ser CDF, desde que passe "cola" para os amigos, fazer o que...).
Eu estudava em uma escola tida como "Escola Modelo" e parte do projeto pedagógico de cada série era ter um "lema do ano". Como apesar de todo o meu amor pelos estudos, minha memória não foi uma faculdade exatamente bem desenvolvida, o único dos tais lemas do qual eu ainda me lembro foi o da 4a série, sinal de que esse foi de fato marcante (minha memória é muito seletiva, a pobrezinha, sou do tipo que vai até a geladeira para pegar alguma coisa e ao abrí-la não tem mais a menor idéia do que foi fazer lá, me dei conta hoje de que fazem 4 dias que eu não tomo minha pílula...só lembrei porque o caixinha estava em cima de algo que eu ia pegar - se Princhuquinho tiver um irmão daqui uns 9 meses já se sabe o porquê - , e se não fosse uma amiga minha, minha infância se contaria em um parágrafo) - um parênteses meio exagerado este. Mas bem....do que eu estava falando mesmo? A sim, o lema era assim: "bom ou ruim esse ano pode ser, depende do jeito que a gente vê". Durante o ano inteiro falamos sobre como as coisas podem ser diferentes quando olhamos "com olhos de primeira vez", aquele ponto de vista do novo, da descoberta, que é capaz de transformar um rabisco em arte, uma garrafa em brinquedo, um floco de neve em razão pra ficar muito, muito feliz - explico...
Ano passado foi meu primeiro inverno "branco" (em São Paulo eles são bem mais cinzas). Lembro direitinho a primeira neve (do inverno e da minha vida) - estava eu saindo de uma aula (não lembro de que) aqui do mestrado, cercada de colegas (todas nativas canadenses) e começa a nevar...Me senti uma mineira - que nasceu em Minas Gerais, não que trabalha em uma mina - vendo o mar pela primeira vez aos 24 anos... fiquei maravilhada, abestalhada, contentíssima - e sozinha. Não me conformava com a indiferença de todos que, "nascidos e crescidos" com neve no inverno, perderam a capacidade de admirá-la. É compreenssível, já que depois de 4 meses de neve todo dia, você quer mesmo morrer um pouco, especialmente quando a neve branquinha vira lama marronzinha e nojenta e você cai, congela esperando um ônibus, entre outras cenas invernais. Mesmo assim, poucas coisas são tão bonitas quanto galhos congelados, parques branquinhos a perder de vista e pinheiros cobertos de neve de verdade! (E não aquela que a gente compra de pacote na 25 de Março). É como estar dentro de um filme de Natal (daqueles de sessão da tarde especial de Natal), a trilha sonora natalina (White Christmas, pra começar) fica tocando dentro da cabeça constantemente e você começa a achar que o Papai Noel, com aquela roupa toda, finalmente se deu bem (o bom velhinho, e todos os seus ajudantes que trabalham nos shoppings, deviam adotar um outro visual pro nosso Natal tropical, vamos combinar...).
Sexta-feira passada foi a primeira neve do Princhuquinho. Ele acordou todo feliz as 9h da manhã (esse horário por aqui é madrugada...) só pra ver os primeiros floquinhos caindo, e pegar um na mão, pra colocar na boca, é claro. Mais lindo do que o floquinho de neve (que aliás, tem forma de floco de neve mesmo, aquele que vem desenhado no ar condicionado - só pra compartilhar minha descoberta) só mesmo o olhar de primeira vez de um bebezinho. Não só para a neve, mas para tudo no mundo, cada olhar, é o primeiro. Parece óbvio, mas é realmente uma coisa única acompanhar cada descoberta do seu próprio filhote, e de quebra, redescobrir o mundo também. No começo era a fascinação com qualquer fonte luminosa, depois a primeira palhaçada que o fez sorrir, o primeiro encontro com um cachorro de verdade, a primeira chuva, a primeira folha de árvore na mão, o primeiro caldinho de uva (se bem que isso é paladar, não olhar, mas eu lembrei porque foi hoje, ele adorou...fica o registro) - Clichê como possa ser, cada "primeiro"dele me faz dar mais valor às pequenas coisas da vida (tendo 1,51m. de altura é até uma questão de auto- estima), e me remete ao lema de muitos anos atrás, parafraseado: "boa ou ruim essa vida pode ser, depende do jeito que a gente vê".