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Educação de Primeiro Mundo

Pois é, hoje não é segunda, mas como a saga das "Segundas-sérias" só durou um dia mesmo, vamos de "Terça-séria", pero no mucho.

Para começar a coisa, estou trabalhando na rede de escolas inglesas aqui de Montréal é observar os alunos (e professores, por conseqüência) nas salas de aula para ver quais são as dificuldades e promover estratégias para melhorar a função e a participação no ambiente escolar para todos os, inclusive aqueles com necessidades especiais. Todo esse blá, blá, blá só pra dizer o quanto estou horrorizada com o sistema escolar daqui, e com a formação dos professores, principalmente.

Logo de cara, os prédios das escolas são todos antigos, com carteiras que provavelmente foram usadas por Jacques Cartier (ou pelo menos pelo filho dele, que queria aprender inglês para um dia poder morar em outras partes do Canadá - piadinha infame, interna para os leitores de Quebec), paredes sujas, tudo feio. Mas...já diria alguém, o que é uma escola se não um espaço físico, o que faz a escola é o conteúdo humano, ok então.

Observando uma turma de maternal (alunos de 5 anos, que entraram pela primeira vez em uma escola há 2 semanas) hoje, eu fiquei abismada, pra não dizer revoltada. A atividade era fazer uma colagem livre com formas geométricas que tinham sido previamente cortadas. A dita cuja da professora, simpática como parecia ser, dizia incansável: "Explorem, explorem, pode fazer tudo o que sua imaginação deixar, vamos fazer coisas diferentes". Poxa, bem legal isso. E ela ia passando pelas mesinhas e repetindo, estimulando. Até que em um dado momento, a fadinha vira monstrinho e ela chega perto de um aluno e fala:
- O que é isso??? Crianças, parem tudo e olhem aqui (enquanto mostra o trabalho do menininho, que a essa altura já tinha os olhos esbugalhados de susto). Isso aqui (ela continua com voz absurdamente brava) , isso é ridículo (juro, a palavra foi ridículo!) , inacreditável. Olha, Fulaninho, seu trabalho vai pro lixo.
E para o lixo o trabalho foi.

O grande erro incabível cometido pelo menino tinha sido explorar, mas não como a professora pensou. Ele foi além. Além de explorar as formas, ele quis também explorar os materiais. Pegou a cola (que provavelmente nunca tinha pego antes) e encheu um dos quadrados de cola. Não é nem que ele estava jogando cola pro alto, fazendo chuva de cola ou passando no cabelo das meninas (o que ainda assim não chegaria a ser ridículo, já que era uma atividade de exploração, ao meu ver). Não, ele colocou a cola certinho, preenchendo o contorno, um quadrado de cola, genial, não?! - Não, ridículo. O quadrado de cola foi pro lixo, a cola foi tomada e o pequeno gênio ficou lá, visivelmente arrasado na sua cadeirinha. Mas uma lição ele aprendeu com certeza: Da próxima vez que a professora mandar explorar alguma coisa, ele vai perguntar antes como.

Aí eu penso no que pra mim é o ícone da educação: "Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino".( Paulo Freire )

Esse é só um exemplo entre muitos já testemunhados, infelizmente. Sem quadrados de cola, que tipo de busca é possível?? Não se aprende, não se ensina, é assim que eu tenho visto o sistema de educação por aqui. Por enquanto Alunack só brinca na creche e isto está de bom tamanha (é claro que eu preferiria que o dito "professor de música" fizesse uma aula de estimulação musical de fato ao invés de só ficar tocando, mas assim...brincar é bom), mas minhas pulgas já começam a saltar atrás da orelha enquanto eu monto um plano estratégico para mudar tudo em 4 anos, quando ele vai chegar lá, nesse mundo que é a escola. Afinal, já diria o Drummond (se foi ele mesmo que disse eu não sei já que nunca chequei a fonte, mas eu gostei da frase, atribuída a ele):

"Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem."( Carlos Drummond de Andrade )

E voi-là. Medo.

10 comentários:

Flavielle Martins disse...

Nossa, ridícula é essa professora, né? Confesso que fiquei preocupada. O pior é que nós, pais, nunca sabemos o que realmente acontece dentro de uma sala de aula. Esse episódio me faz lembrar que por mais que nos esforcemos para proteger os nossos filhos de episódios como esses, somos impotentes, não temos como realmente protegê-los de tudo. Ô sentimentozinho ruim, eu ainda não me sinto preparada para isso, acho que nenhuma mãe, não é mesmo?

Abraços!

carol e rosa disse...

olá!!!! tenho me esborrachado de rir com alguma de suas aventuras!!!!! descobri seu blog hj, mas prometo q serei leitora assidua! pretendemos ir para o canada, e sei q terei q passar por isso com meu pequeno de 4 anos... adorei te conhecer, q bom q existem pessoas como vc q veem o lado divertido das coisas!!!!
bjs
carol

Claudia S disse...

Ai Keiko...nem me fale nesse assunto...
Acabei de mudar a escola do meu filho (mas ele só vai para a escola nova no ano que vem), pois a atual é muito precária. A começar pelas professoras, puro tédio: - só sabem levar as crianças para o Planetário, como se em SP só tivesse esse lugar!
E a orientadora pedagógica é uma perua sem noção de justiça e educação. Quer que eu banque a dedo-duro para ela conseguir expulsar um aluno delinquente, que nem ela consegue lidar! Uma tristeza...
Já assistiu Freedom Writers com a Hillary Swank? É inspirador!

Queila disse...

Minha filhota ainda nem nasceu e eu já morro de medo do dia que tiver que manda-la para escola. Você conhece alguma coisa das escolas particulares daqui? Eu ouvi dizer que também não são lá essas coisas.

Q

Luciana disse...

oi keiko,

obrigada por seu comentário gentil. eu até já conhecia seu blog, através do "iglu".

estive em montreal em 2006 e adorei a cidade! penso em voltar em breve, desta vez com minha pequena, que é cidadã canadense também (pai canadense e nascida no brasil).

beijos,

luciana

Sandra Vicente disse...

Keiko,
Será que é tudo assim? Aqui a professora do Vinicius tem surpreendido em relação às do Brasil em vários aspectos. Ele desenvolveu demais e ela tem me dado uns retornos incríveis. Ela é uma senhora. Deve ter uns 50 anos, mas toda atualizada. Estou amando. Pasme! rsrsrsrs
PS: é bem verdade que eu generalizei quando disse Brasil, pois o meu maior conhecimento é de Rio de Janeiro. São Paulo é outro papo em vários aspectos, inclusive em se tratando de educação.
Amo sua parte séria também!

Lilian disse...

Nossa, tantos novos leitores, vc tá ficando bem popular, hein? :)

Realmente mais do que decepcionante essa professora aí, espero que vc não flagre muitas outras situações deprimentes como essa. Excelente post...

Flávia disse...

Ai, Keiko, nem me fale, que eu tenho pavor da maioria das escolas de Vancouver, pelo mesmo motivo: a formacao dos professores, mas tambem porque acho o conteudo escolar aqui, em geral, muito aquem do Brasil (pelo menos na minha realidade).

Mas, como eu li recentemente "as mentes criativas sobrevivem APESAR das formas estupidas de educacao formal".

Beijinho.

Vivi disse...

Ôi Keiko! Estou sempre de olho no seu blog e o adoro! Dou muitas risadas, mas hoje... que chato essa experiência que você narrou. Confesso que fiquei bastante decepcionada. Não imaginava encontrar esse nível de intervenção(incompreensão) por aqui. Sou pedagoga e estou morando em Laval há dois meses. Gostaria muito de saber mais sobre suas impressões em relação à educação. Espero que essa seja uma situação isolada! Nossa, tô triste...

Deby disse...

Keiko, querida
É inadmissível pensar q ainda existam professores com um falta de tato tão grande. E a gente acha que essas coisas só acontecem em países pobres. Engano!! Penso que talvez nesses países a preocupação com o emocional de uma criança seja maior.
Ah! A frase é de Drummond mesmo.
bjinho