Então é assim, você estuda, casa com um homem esclarecido, estuda mais, trabalha, estuda mais, tem um filho, estuda mais e um belo dia, sob seus incrédulos olhares, a história acontece.
Era uma tarde de sol, a mãe do meu aluninhO, que já tinha dado uma bicicletinha e um carrinho para Meninack, me oferece agora uma cozinha, dessas com piazinha, maquininha de lavar roupa, fogãozinho, tudo embutido, um luxo só. Além de um saco cheio de comidinhas, pratinhos, panelinhas, um jogo de encaixe e um vagão de carregar brinquedos. Ela estava me dando porque seus 2 filhOs, agora com 7 e 5 anos, já estavam cansados de brincar com aquilo tudo.
Eu, feliz da vida peguei tudo, botei na van, achei o máximo. Chego em casa, peço pra Princhuco, o marido, buscar no carro porque eu tinha subido com as compras. Chega Princhuco de volta com o vagão, o jogo de montar, o saco de comidinhas (que ele não sabia que era de comidinhas) e nada da cozinha. Eu pergunto:
- E a cozinha?
- Como assim a cozinha? Pra quem é aquilo?
- Oras, ela deu pro Zack também
- Que absurdo! Como assim? Nessa casa não entra cozinha! Meu filho não vai brincar com cozinha!
- ... (cara abismada e incrédula)
- Tá olhando o que? Nossa, eu tô muito triste com isso, onde já se viu dar uma cozinha pro menino?
... e daqui segue-se uma discussão de umas 3 horas mais ou menos...
A minha questão é: eu estou maluca ou trocaram meu marido por um homem de Neanderthal e ninguém me contou?
Após muita discussão, ficou combinado que íamos consultar os amigos pra constatar quem afinal de contas ia ser internado em um manicômio especializado em assuntos sexistas. A escolhida fui eu! Todos os amigOs, e pior, as amigAs, estavam do lado do Marido das Pedras!!
Agora, gente, não é possível!! Um dos amigos me deu a idéia de publicar uma enquete nesse blog, então o Tirando o Sapato está aberto para a discussão, em prol da minha sanidade.
Deixem-me colocar o cenário.
Os personagens:
De um lado, quem vos fala, é a mãe do menino, terapeuta ocupacional cujo tema principal da tese de doutorado é "lazer e recreação". De brincadeira, ela entende.
Do outro lado, o pai do menino, que atualmente embora mantenha seus negócios no Brasil, na maior parte do tempo fica em casa cuidando do menino, lavando louça, colocando roupinha na maquininha, arrumando a casinha, lavando panelinha, fazendo comidinha pro nenê, essas coisinhas, enquanto a mãe do menino estuda e trabalha. Ele entende de negócios, mas de cuidar de casa ele também entende.
Os argumentos:
Da mãe: Resumidamente, brincar é a principal atividade para o desenvolvimento integral da criança. Através da atividade lúdica, a criança assimila e reproduz papéis sociais e comportamentos, processa e aprende como agir. Por essas e muitas outras, a brincadeira é o instrumento pelo qual a criança se prepara para a vida adulta. Por reproduzir o espaço social, a brincadeira é o maior meio de aprendizagem de habilidades como partilhar, ajudar e das próprias ações em geral. Por isso também, durante séculos, as brincadeiras infantis reproduziram a representação social da mulher, como "rainha do lar", responsável pelas tarefas domésticas e do cuidado das bonecas, digo, dos bebês, enquanto os pais saiam pra trabalhar com seus carrinhos. Hoje, caso ninguém mais além de mim tenha notado, as mães (as que optam por isso, obviamente) também têm seus carrinhos e suas ferramentas, e os pais (mas que surpresa!), podem até ficar em casa brincando de casinha. Logo, nada mais normal pra um menino que vê o pai brincando de panelinha, querer brincar de panelinha também! Na pior das hipóteses, ele vai ser um ótimo marido e um ótimo pai. Do tipo Made in Canada, que sabe que dividir tarefas de casa e o cuidado das crianças não é boa ação e nem "um exemplo de marido", mas meramente obrigação. Pra mim, com um certo exagero, mas só pra traçar um paralelo, não deixar um menino brincar de cozinha é como dizer pra uma criança que viveu em uma época pós-abolição dos escravos que ela ainda pode brincar de chicotear uma boneca negra, isso é, se ela tiver uma.
Do pai: Meu filho não brinca de cozinha! Daqui a pouco você vai querer da um mini-secador-de-cabelo e uma Barbie pra ele também!
- Claro, era exatament isso que eu tinha na minha lista de compras de hoje.
Eu sei, eu sei e até entendo a sua resistência, caro leitor(a). No fundo no fundo todos nós fomos crianças que brincaram ou de bola ou de boneca e em um país onde não existem por exemplo empregadOs domésticos e o gênero predominante na língua é o masculino. A mudança é dura e demora a entrar com fluência dentro da nossa arcaica representação social do mundo, mas não se deixem influenciar pela sua tendência machista, ainda que você jure ser feminista. E por feminista aqui não estou falando de queima de sutiãs, mas tão somente de um novo esquema de família-sociedade, que tende a funcionar muito bem quando os pais dividem as tarefas mas cada um sabe bem a importância do seu papel e sabe preservar as características do seu gênero.
De repente o tom ficou sério por aqui, perdoem. Mas é que como a minha brincadeira agora é isso de escrever blog eu preciso brincar pra entender o mundo e descobrir se estou realmente lelé-da-cuca, vanguardista desvairada, comedora de criancinhas ou se o problema é o mundo.
Se você acha que o pai está certo ligue para:
0800-EU-VIVO-NA-IDADE-DA-PEDRA-MAS-NÃO-ADMITO
Se você acha que a mãe está certa, ligue para:
0800-EU-PREPARO-MEU-FILHO-PRA-VIDA
Ou deixe sua opinião aqui mesmo. Se quiser deixar uma mensagem anônima por medo de retaliações, não hesite, pois a mãe está meio sensível ao assunto.
Enquanto isso, na sala de justiça, uma cozinha espera por um dono.
"Minha dor é perceber, que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais..." (Elis Regina) - É isso, apelei mesmo.
MURAL DE RESPOSTAS:Flávia: As fotos foram um ponta-pé do irmão mais novo por aqui, mas agora eu aprendi! E não é que é fácil? Se até eu consegui, qualquer criança de 3 anos consegue, acredite.
Suzy: A sequencia das músicas eram 2 sertanejas pra 1 MPB, é aí que entram Toquinho ( o do Vinícius mesmo) e o Chico (Buarque)