Ontem foi segunda-feira, estou consciente. Consistente como só eu sou, bem lembrei da minha recente auto-idéia da "Segunda-séria". No entanto, contudo, todavia, entretanto, ontem foi feriado por aqui, dia do trabalho, precedendo a "volta às aulas". A fim de honrar o nome do feriado, baixou a Isaura e me pus a fazer aquela faxina básica.
Já não era sem tempo, diria qualquer pessoa que passasse pela minha casa. Encontrei uns fósseis do período pré-diluviano sob o pó da estante, percebi que o céu é azul quando a janela está limpa, resgatei brinquedos escondidos (pelo mesmo auxiliar de limpeza que come a sujeira da vassoura) em lugares super secretos.
Lerê-lará pra cá, chibatadas prá lá e no fim do dia a única coisa séria que eu conseguia pensar era que, sem ironia, a escravidão é uma das coisas mais horrendas que se passou (e passa ainda, infelizmente) com a humanidade. Fazer faxina, NA CASA DOS OUTROS, em troca de maus tratos, sério mesmo, isso não é vida. Fica um post realmente sério pra segunda que vem, quando os resíduos traumáticos tiverem se diluído. Saudade de um tempo quando feriado era sinônimo de dormir até tarde, ir ao cinema ou viajar.
Mas bom, vai a noite, chega o dia e hoje foi "O" dia. Acordei ouvindo no rádio o apresentador anunciando: "Feliz primeiro dia de aula", "É, acabou o verão, as férias...Está de volta a rotina, o trânsito...", algo familiar para brasucas em meados de Fevereiro, ou depois do carnaval.
No carro, a mãe temporariamente solteira (Princhuco no Brasil, o sortudo) escuta: "Volta à as aulas, tensão do primeiro dia de aula para muitas crianças e mães, para este momento, uma música apropriada: Don't worry, be happy!". Enquanto escuta, a mãe ridícula chora. No banco de trás, o rebento segue para o abate, digo, para a creche. Aliás, creche não, já viu como creche tem um ar assitencialista, sem planejamento, de mãe que abandona o filho por lá para cuidar dos próprios interesses, não, não, filho meu não vai pra creche, vai pra "Escolinha". Sim, escolinha, que soa mais pedagógico, educativo, lúdico. Pronto, está decidido, Abandonack vai para escolinha, não para creche. Aliás, para melhorar mais ainda, vai para o "Centro da Primeira Infância", que é o nome que isso tem por aqui. Um nome faz toda a diferença, meus caros, pergunte ao meu amigo que chama Ayalon, coitado, o pobre sofreu.
Mas enfim, voltando, a mãe leva ao rebento ao Centro da Primeira Infância, onde já tinham estado nas semanas anteriores por algumas horas, fazendo visita. Hoje, no entanto, era o dia definitivo. A mãe, tira a cara apreensiva, bota a simpática para saudar as "professoras"e os outros pais igualmente tensos. Senta de lado por alguns instantes enquanto Independack sai engatinhando pela sala (porque ele decidiu que só vai andar mesmo com 18 anos), brincando com tudo, beijando todos. A mãe, meio que tranquila, fica por lá fingindo que não tem que ir embora, tira umas 400 fotos, explica que "ábua" quer dizer "water", ou "food" ou "give me that right away!", troca uma meia dúzia de palavras furadas parentais com os outros pais ("Ele já anda? Ele fala o que? Ai, não é a coisa mais linda? Olha só...") até que realmente, ela tem que ir embora. Dá tchau, conforme instruções, e para seu horror interno, Desesperack chora.
A mãe, que não conto quem é, e que não contava com o choro, brava e corajosa vai embora, sob a ordem simpática da professora, não sem derramar um rio de lágrimas e parar na escada para ouvir o choro da pobre criança abandonada a esmo. Choro? Que choro? Durou uns 10 segundos...Quando a mãe pára na escada, não há mais choro, exceto o dela. Esse sim dura longos 15 minutos enquanto ela caminha para seu escritório e liga do celular para o marido distante, pagando pela ligação provavelmente o que pagará pelo mês inteiro da criança na creche, digo, escolinha . Chegando lá, fica vendo fotos e mais fotos, como a mãe cujo filho serve o exército no Haiti. Dadas as eternas 4 horas sugeridas para a adaptação, ela volta desesperada e encontra o filho, pasmem, não só vivo como feliz da vida. Isso é, feliz até vê-la e cair no choro como quem diz: "Você é um monstro, onde já se viu vir me buscar?" - não, não, o que ele realmente quis dizer era: "Só te perdoo se você me der esse peito agora!". Como a mãe pode até ser ruim, mas não é louca, dá o peito para o filho, enquanto também dá colo para um outro amiguinho cujo peito ainda não tinha chegado. Tudo resolvido, Felizack sai correndo de novo atrás dos amigos e dos brinquedos, protestando quando a mãe, que só serve mesmo pra incomodar, o pega para levar embora.
Mude o nome "mãe" para "Joaquina Gabriela" e dava uma boa novela mexicana, não? Pois é, foi assim...
Feliz volta às aulas!
PS- Fotos do momento virão quando eu achar o cabo da máquina.